Aspectos Jurídicos e Tributários do Crédito de Carbono

Por Hugo Neto Natrielli de Almeida – Advogado e Especialista em Direito Tributário

Desde a Revolução Industrial, as alterações no clima do  planeta, causadas em virtude de ações predatórias do ser humano, também  denominadas ações antrópicas, passaram a acontecer em uma velocidade muito maior  do que aquela com que ocorreriam naturalmente.

Emissões de gases poluentes, conhecidos como gases de efeito  estufa, que formam uma espécie de película entre a atmosfera terrestre e o  espaço, impossibilitam a reflexão da irradiação que provoca o aquecimento do  globo terrestre, culminando em um aumento de aproximadamente um grau centígrado  a mais do que o natural nas últimas décadas.

Tomando consciência de que as ações antrópicas demonstram  claro risco para a continuidade de um meio ambiente ecologicamente equilibrado,  os Estados-nação reuniram-se, na busca de alternativas para reduzir a emissão de  gases de efeito estufa, como uma das ações para manutenção do meio ambiente.

Desta forma, por tratar-se de decisões e normatizações que  têm ampla afetação em esfera internacional, foram realizados Acordos  Internacionais, que são as normas de direito internacional por excelência.

O primeiro Tratado a versar sobre as alterações no clima foi  a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (Convenção-Quadro),  que foi concebida no decorrer da reunião internacional Rio-92. Após a assinatura  deste tratado, que previa a necessidade de se estabelecer ações e metas para a  redução na emissão de gases poluentes, diversas reuniões foram realizadas entre  os países participantes da Convenção-Quadro, que culminaram na assinatura do  Protocolo de Quioto à Convenção-Quadro, que prevê, dentre outras alternativas,  as Reduções Certificadas de Emissões.

Este trabalho tem o escopo de analisar a natureza jurídica  específica das Reduções Certificadas de Emissões (RCE’s) – largamente conhecidas  pela alcunha de “Créditos de Carbono” – e o devido tratamento tributário a ser  dispensado ao novel elemento (que se traduz em instituto a ser estudado pela  ciência jurídica) por ocasião de sua comercialização por empresas nacionais.

1. CONVENÇÃO-QUADRO DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE MUDANÇA DO CLIMA E  O PROTOCOLO DE QUIOTO. ESBOÇO HISTÓRICO.

Em junho de 1992, durante a “Cúpula da Terra” no Rio de  Janeiro (Eco-92), 154 países assinaram um Tratado Internacional, o qual  denominou-se Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, no qual  reconheceram as mudanças climáticas como uma preocupação comum da humanidade, e  se comprometeram a elaborar uma estratégia global com o fim de proteger o  sistema climático para gerações presentes e futuras. Atualmente este tratado  conta com a adesão de 186 países.

Em face das determinações firmadas com a assinatura da  Convenção-Quadro, diversas Conferências das Partes (COP’s) foram realizadas – destas reuniões, podemos destacar como principal, e de maiores efeitos  pragmáticos, o Mandato de Berlim –, nas quais foram discutidas as principais  formas de se colocar em prática os objetivos estabelecidos no Rio de Janeiro em  1992.

Estas discussões terminaram com a assinatura do Protocolo de  Quioto, em 1997, na cidade de Quioto, Japão, que estabeleceu metas a serem  cumpridas até o ano de 2012, e meios para seu cumprimento, dentre os quais a  criação do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, que posteriormente foi  regulamentado pelo Acordo de Marraqueche.


2. MÉTODOS PARA A REDUÇÃO DA EMISSÃO DOS GASES DE EFEITO  ESTUFA. REDUÇÕES DE EMISSÃO CERTIFICADAS.

O artigo 3.1., do Protocolo de Quioto dispõe acerca da  necessidade de que os países signatários deste Acordo Internacional, e que  apresentem emissão elevada de gases de efeito estufa promovam a redução das  emissões totais desses gases, nos seguintes termos:

ARTIGO 3.1. As partes incluídas no Anexo I     [01] devem, individual ou conjuntamente, assegurar que suas     emissões antrópicas agregadas, expressas em dióxido de carbono     equivalente, dos gases de efeito estufa listados no Anexo A não excedam     suas quantidades atribuídas, calculadas em conformidade com seus     compromissos quantificados de limitação e redução de emissões descritos no     Anexo B e de acordo com as disposições deste Artigo, com vistas a reduzir     suas emissões totais desses gases em pelo menos 5 por cento abaixo dos     níveis de 1990 no período de compromisso de 2008 a 2012“. (grifos     nossos)

Para que possa atingir seu objetivo, cada um dos países cuja  conduta se pretende regular através desta norma deverá formular programas  nacionais e regionais adequados para melhorar a qualidade dos fatores de  emissão, e que contenham medidas para mitigar a mudança do clima bem como  medidas para facilitar uma adaptação adequada à mudança do clima, assim também  cooperar na promoção de modalidades efetivas para o desenvolvimento, a aplicação  e a difusão, e tomar as medidas possíveis para promover, facilitar e financiar,  conforme o caso, a transferência ou o acesso a tecnologias, know-how, práticas e  processos ambientalmente seguros relativos à mudança do clima, dentre outras  práticas previstas no artigo 10, do Protocolo de Quioto.

Adicionalmente, foi instituído pelo Protocolo de Quioto o  Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), que proporciona uma alternativa às  nações incluídas no Anexo I, da Convenção-Quadro, que não tenham condições de  promover a necessária redução de gases em seu território, para que possam  atingir suas metas, conforme transcrito abaixo:

ARTIGO 12.3. Sob o mecanismo de desenvolvimento     limpo:

(a) As partes não incluídas no Anexo I beneficiar-se-ão     de atividades de projetos que resultem em reduções certificadas de     emissões; e

(b) As partes incluídas no Anexo I podem utilizar as     reduções certificadas de emissões, resultantes de tais atividades de     projetos, para contribuir com o cumprimento de parte de seus compromissos     quantificados de limitação e redução de emissões, assumidos no Artigo 3,     como determinado pela Conferência das Partes na qualidade de reunião das     Partes deste Protocolo”. (grifos nossos)

O MDL consiste, portanto, em uma forma subsidiária de  cumprimento das metas de redução da emissão de gases de efeito estufa,  estimulando, ao mesmo tempo, o desenvolvimento estruturado daqueles países que  não tenham atingido níveis alarmantes de emissão de poluentes.

As reduções atingidas pelos países em desenvolvimento, e que  não tenham sido albergados pelo Anexo I, poderão, destarte, ser utilizadas pelos  países desenvolvidos para o cumprimento de parte de suas metas [02],  e poderão ser atingidas, principalmente, através das seguintes posturas: (i)  investimentos em tecnologias mais eficientes; (ii) substituição de fontes de  energias fósseis por renováveis; (iii) racionalização do uso da energia; e (iv)  florestamento e reflorestamento.

Devemos frisar que as atividades implementadas através do  mencionado projeto devem, concomitantemente implicar uma redução adicional à que  ocorreria sem a implementação do mesmo, contribuir para o desenvolvimento  sustentável do país em que seja implementada, e demonstrar benefícios reais,  mensuráveis e de longo prazo relacionados com a mitigação da mudança do clima.

Outrossim, é importante esclarecermos que o MDL apenas poderá  ser implementado caso as reduções em comento sejam certificadas pelos organismos  competentes. Significa dizer, a redução na emissão de gases poluentes  implementada em países não incluídos no Anexo I, da Convenção-Quadro, só poderá  contribuir para o cumprimento dos objetivos daqueles países incluídos no Anexo I  após terem sido certificadas por entidades operacionais designadas pela  Conferência das Partes, conforme estabelecido no artigo 12.5., do Protocolo de  Quioto, in verbis:

ARTIGO 12.5.

As reduções de emissões resultantes     de cada atividade de projeto devem ser certificadas por entidades     operacionais a serem designadas pela Conferência das Partes na qualidade     de reunião das Partes deste Protocolo, com base em:

(a) Participação voluntária aprovada por cada Parte     envolvida;

(b) Benefícios reais, mensuráveis e de longo prazo     relacionados com a mitigação da mudança do clima; e

(c) Reduções de emissões que sejam adicionais às que     ocorreriam na ausência da atividade certificada de projeto”. (grifos nossos)

Ou seja, as atividades de projeto do MDL, bem como as  reduções de emissões de gases de efeito estufa e/ou aumento de remoção de CO2 a  estas atribuídas deverão ser submetidas a um processo de aferição e verificação  por meio de instituições e procedimentos estabelecidos na COP-7.

2.1. Etapas para Aquisição das Reduções Certificadas de  Emissões:

Assim, em face da real necessidade de se obter certificados  de emissão reduzida para que se possa negociar os chamados “créditos de  carbono”, passaremos a expor, de forma sucinta, as etapas que devem ser vencidas  por quem pretende entrar no já denominado mercado de carbono.

O primeiro passo a ser cumprido é a elaboração de um  documento de concepção do projeto, em que conste a descrição das atividades, os  participantes, a metodologia das linhas de base, a metodologia de cálculo, o  limite do projeto, a fuga, a definição do período de obtenção dos créditos, o  plano de monitoramento, a justificativa para adicionalidade da atividade de  projeto, documentos e referências sobre impactos ambientais, resumo dos  comentários dos atores e informações sobre fontes adicionais de financiamento.

Feito isto, o projeto será encaminhado a uma Entidade  Operacional [03], designada pela Conferência das Partes, que irá  proceder à análise, validação e aprovação do mesmo, para que então possa ser  remetido ao Conselho Executivo para ser registrado.

A partir do momento em que tenha sido registrado, será  colocado em prática o plano de monitoramento, de acordo com o que tenha sido  estabelecido no Documento de Concepção do Projeto (DCP). Caso ocorram efetivas  reduções, em virtude do projeto, a Entidade Operacional acima mencionada, que  também é responsável pela verificação da ocorrência de reduções, emitirá um  certificado em favor da pessoa que tenha implementado o projeto.

Por fim, com base na certificação emitida pelas Entidades  Operacionais Designadas, o Conselho Executivo emitirá as Reduções Certificadas  de Emissões, ou “Créditos de Carbono”. São estes títulos que serão passíveis de  comercialização, de acordo com o artigo 12.3., do Protocolo de Quioto.


3. NATUREZA JURÍDICA DOS CRÉDITOS DE CARBONO

De acordo com as bases de Direito Privado, bens são valores  materiais ou imateriais, que podem ser objeto de uma relação de direito. O  vocábulo, que é amplo no seu significado, abrange coisas corpóreas e  incorpóreas, coisas materiais ou imponderáveis, fatos e abstenções humanas [04].

Os bens corpóreos são aqueles que têm existência física, ao  passo que os bens incorpóreos “não têm existência tangível. São direitos das  pessoas sobre as coisas, sobre o produto de seu intelecto, ou em relação a outra  pessoa, com valor econômico: direitos autorais, créditos, invenções” [05].

Isto é, os bens incorpóreos são aqueles que, apesar de não  terem existência física, interessam ao mundo jurídico, mormente por apresentarem  valor econômico para os seres humanos, sujeitos últimos da incidência jurídica.

A partir de tais definições, pilares do ramo do direito  privado que cuida do estudo das coisas, podemos classificar os “Créditos de  Carbono” como bens incorpóreos, imateriais ou intangíveis, tendo em vista que  estes não têm existência física, mas são reconhecidos pela ordem jurídica  (Protocolo de Quioto), tendo valor econômico para o homem, uma vez que são  passíveis de negociação.

Portanto, podemos afirmar, com tranqüilidade, que os  “Créditos de Carbono” caracterizam-se como direitos de seus detentores, ou seja,  bens intangíveis, tal como amplamente demonstrado nas linhas acima. Entretanto,  muito se discute, atualmente, se estes títulos, emitidos em favor daquelas  pessoas jurídicas que de alguma forma contribuem para a diminuição dos gases de  efeito estufa, são bens intangíveis puros, ou apresentam-se na forma de  derivativos (ativos financeiros).

Para buscar uma solução para esta controvérsia, se faz  necessário que tragamos à baila, de antemão, a definição de derivativos.

Pois bem, os derivativos são ativos financeiros ou valores  mobiliários cujo valor e características de negociação derivam do ativo que lhes  serve de referência, de tal forma que nas operações no mercado financeiro  envolvendo derivativos, o valor das transações deriva do comportamento futuro de  outros mercados, como o de ações, câmbio ou juros [06].

Significa dizer que o Mercado de Derivativos é o mercado no  qual a formação dos preços deriva dos preços do mercado à vista. Neste universo,  podemos identificar os mercados futuros, os mercados a termo, os mercados de  opções e o mercado de swaps [07].

Desta forma, a par das fundadas discussões existentes acerca  da natureza econômica destes créditos, manifestamos nossa predileção pela  classificação dos “Créditos de Carbono”, concedidos mediante a entrega das  Reduções Certificadas de Emissões (RCE’s), como ativos intangíveis puros, uma  vez que, a nosso ver, a sua natureza, bem como o seu valor, não derivam de  qualquer outro ativo ao qual estejam vinculados.

Contudo, ainda que seja este o nosso entendimento, tramita  atualmente na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 3.552/04, que  confere aos créditos de carbono natureza de valores mobiliários [08],  incluindo-os, desta forma, no campo de regulação obrigatória pela Comissão de  Valores Mobiliários (CVM).

Ademais, os créditos de carbono já são negociados na Chicago  Climate Exchange (CCX) [09], e também no Brasil já existe um projeto,  com previsão para implementação ainda em 2005, para que os tais títulos sejam  negociados na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro (BVRJ) e na Bolsa de  Mercadorias e Futuros (BM&F), como commodities, o que passaria a  caracterizar as RCE’s como verdadeiros derivativos, tendo em vista que a  formação de seu preço passaria a derivar dos preços do mercado à vista.


4. ASPECTOS TRIBUTÁRIOS RELEVANTES

É a natureza jurídica do instituto sob análise que irá  determinar que tipo de tributação sobre ele deva incidir. De acordo com  disposição do Código Tributário Nacional (CTN), o diferencial característico de  cada uma das espécies tributárias encontra-se em seu aspecto material, ou seja,  o fato hipotético previsto no antecedente da norma jurídica tributária estar  vinculado a uma atividade estatal (taxas e contribuições de melhoria) ou não  (impostos, contribuições e empréstimos compulsórios).

De pronto podemos notar que a comercialização dos “Créditos  de Carbono” não apresenta como fato central de sua hipótese de incidência  qualquer atividade estatal, posto que depende exclusivamente da vontade dos  particulares pactuantes para que sua ocorrência se materialize no mundo fático,  descaracterizando desde logo a incidência de qualquer taxa ou contribuição de  melhoria. Resta-nos, portanto, analisar a incidência de impostos, contribuições  e empréstimos compulsórios.

Por outro lado, ao tratarmos da incidência dos impostos, por  se tratarem de tributos que recaem sobre atividades praticadas em âmbito  privado, foi determinada, no foro constitucional, a divisão de competências para  a instituição destes, e traçado todo o arquétipo de cada um dos impostos  permitidos pelo Legislador Constituinte, que se definem exatamente pelo fato  encontrado no núcleo da hipótese de incidência, de forma que se faz necessário  conhecermos bem a natureza da transação que temos diante de nós para estudo.

No caso em estudo, tratamos da comercialização dos “Créditos  de Carbono”, que, ao molde do quanto já foi exposto em tópico específico, têm  natureza jurídica de bem incorpóreo, ou intangível, de tal modo que nos é  forçoso definir se tal operação pode caracterizar-se juridicamente como compra e  venda.

Pois bem. Conforme preleciona Salvo Venosa, “é necessário,  obviamente, que a coisa objeto do contrato de compra e venda esteja no comércio,  isto é, seja suscetível de alienação. A idéia leva originalmente em conta as  coisas corpóreas; todavia, os bens incorpóreos também podem ser objeto do  negócio, embora para este assuma a denominação de cessão [10]“.

Assim, por estarmos falando em bens imateriais, concluímos  não ser possível tratar tal operação por compra e venda de bens, denominação  esta que apenas se aplica aos bens materiais. Logo, por definição, estamos  diante de uma cessão de bens intangíveis, também comumente chamada de cessão de  direitos.

Com isto, excluímos a possibilidade de incidência do ICMS  sobre tais operações, uma vez que o referido tributo afeta apenas as circulações  de mercadorias [11], que, conforme podemos extrair das valiosas  lições de José Eduardo Soares de Melo, são os bens corpóreos da atividade  empresarial do produtor, industrial e comerciante, tendo por objeto a sua  distribuição para consumo [12].

Não é de nosso interesse, portanto, abordar todos os impostos  e contribuições previstos na Constituição Federal, tendo em vista que diversos  deles, a exemplo do que ocorre com o ICMS, não podem recair sobre o fato em  comento, qual seja, a comercialização de bens intangíveis, ou cessão de  direitos. Desta forma, analisaremos apenas os impostos e contribuições que  podem, de alguma forma, incidir sobre a comercialização dos créditos de carbono,  ou causar qualquer incerteza sobre sua incidência.

Destacamos que para os comentários que passaremos a expor,  partimos da premissa segundo a qual as operações de comercialização dos  “Créditos de Carbono” serão efetuadas sempre entre uma empresa nacional  (detentora dos “créditos”) e uma empresa estrangeira (adquirente destes mesmos  “créditos”).

Ressaltamos que este é apenas um corte metodológico que  adotaremos, o que não exclui a possibilidade de tais créditos serem transferidos  para um intermediário nacional, que posteriormente os repasse para o exterior,  ou ainda que as negociações sejam feitas através de empresas comerciais  exportadoras.

4.1. Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e  Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL):

Naquilo que diz respeito ao Imposto sobre a Renda das Pessoas  Jurídicas (IRPJ) e à Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), não nos  resta dúvida de que as empresas que comercializarem “Créditos de Carbono”  deverão reconhecer contabilmente uma receita de alienação dos mesmos, que  afetará, ao fim, a apuração de seu lucro contábil, e por conseqüência seu lucro  fiscal, assim pela sistemática de apuração pelo Lucro Real como também pelo  Lucro Presumido.

Portanto, não nos restam dúvidas de que tal operação  encontra-se albergada pela hipótese de incidência dos tributos ora em análise,  razão pela qual deverá ser gravada pelos mesmos, de acordo com a legislação  fiscal atualmente em vigor.

Vale ressaltar que atualmente tramita na Câmara dos Deputados  o Projeto de Lei nº. 4.425/04, que concede um benefício fiscal para  as pessoas jurídicas que investirem em projetos de MDL, autorizando que o lucro  decorrente da alienação dos créditos de carbono seja excluído do lucro  tributável pelo IRPJ e pela CSLL.

Contudo, enquanto tal projeto não for aprovado, não  vislumbramos qualquer previsão na legislação fiscal infraconstitucional  atualmente em vigor que isente tais receitas da tributação pelos tributos acima  mencionados.

Todavia, entendemos que há a possibilidade de as pessoas  jurídicas que pratiquem a comercialização dos “Créditos de Carbono” discutirem a  inconstitucionalidade da exigência de CSLL sobre estas receitas, uma vez que  decorrem de operações de exportação, em razão da imunidade concedida pelo artigo  149, § 2º., da Constituição Federal, acrescentado pela Emenda Constitucional nº. 33/2001 [13].

Resta, por fim, definirmos a base imponível, ou seja, o valor  que deverá ser oferecido à tributação pelo IRPJ e pela CSLL (caso o Poder  Judiciário entenda pela não aplicação do art. 149, § 2º., para esta  contribuição). Para tanto, será necessário dividirmos os próximos comentários em  dois tópicos distintos, a fim de abordar a apuração pelo Lucro Real e pelo Lucro  Presumido.

4.1.1. Apuração do IRPJ e da CSLL pelo Lucro Real

Ora, sabemos que as bases de cálculo dos tributos em comento,  quando calculados pela Sistemática do Lucro Real, são alcançadas através do  lucro contábil da Pessoa Jurídica, acrescido de valores que de alguma forma  afetaram na sua diminuição, e que não são considerados dedutíveis pela  legislação fiscal, e diminuídos das receitas que, a par de terem aumentado o  lucro líquido, são consideradas não-tributáveis.

Pois bem, imaginemos – apenas com o intuito de facilitar a  análise que pretendemos realizar – que a única operação da pessoa jurídica seja  a implementação de projetos para a redução da emissão de gases poluentes,  aquisição de “Créditos de Carbono” decorrentes destes projetos, e sua posterior  comercialização.

Se fosse possível encontrarmos esta situação hipotética, em  que a única operação de tal pessoa jurídica seria a implementação do mencionado  projeto, de forma que a totalidade de suas receitas seria obtida pela  comercialização dos “Créditos de Carbono” obtidos com a redução na emissão de  gases de efeito estufa, teríamos que seu lucro líquido contábil seria,  justamente, a diferença entre o valor obtido pela venda dos “Créditos de  Carbono” e o custo de aquisição destes.

Assim, resta-nos identificar o custo de aquisição de um ativo  intangível. Conforme determina o Princípio do Custo como Base de Valor, “o custo  de aquisição de um ativo ou dos insumos necessários para fabricá-lo e colocá-lo  em condições de gerar benefícios para a Entidade representa a base de valor para  a Contabilidade, expresso em termos de moeda de poder aquisitivo constante”.

É importante esclarecermos que este princípio foi formulado  em um momento histórico em que só se consideravam como ativos passíveis de  contabilização aqueles bens e direitos que haviam custado efetivamente à  entidade para incorporar, de tal sorte que bens e direitos que houvessem sido  doados não seriam passíveis de contabilização.

Embora hoje em dia o entendimento do Princípio se tenha  ampliado bastante, ainda permanece o fato de que é um valor de entrada que deve  prevalecer, como base de registro para a Contabilidade [14].

Assim, partindo das premissas acima adotadas, podemos  concluir que, no caso específico dos créditos de carbono, em respeito ao  princípio do conservadorismo, devam ser contabilizados os gastos incorridos para  se conseguir a RCE, tais como os custos para a implementação do projeto, através  do qual irá atingir os níveis de redução de emissão de gases de efeito estufa.

Desta forma, em análise às etapas a serem cumpridas para a  aquisição da RCE, entendemos que o custo de aquisição dos “Créditos de Carbono”  seria composto majoritariamente pelo valor despendido com a implementação dos  projetos para a redução na emissão de gases poluentes, sejam eles de  implementação de novas tecnologias, racionalização do uso de energia, ou de  florestamento e reflorestamento.

Portanto, a tributação da comercialização de “Créditos de  Carbono” pelo IRPJ e pela CSLL – ressalvada a discussão acerca da incidência da  CSLL sobre as receitas de exportação – se daria sobre o valor líquido entre a  receita de venda e o valor de registro do bem intangível, que, conforme acabamos  de demonstrar, trata-se do valor de implementação do projeto que confere direito  às RCE’s.

4.1.2. Apuração do IRPJ e da CSLL pelo Lucro Presumido

Quando falamos em lucro presumido estamos diante de uma  prévia e opcional presunção do lucro. Ou seja, presume-se a lucratividade da  empresa de acordo com o segmento de atuação, aplicando-se um percentual  legalmente determinado sobre sua receita. Desta forma, as empresas que auferirem  receita de até R$ 48.000.000,00 no ano-calendário anterior ao período de  apuração, e que não estejam obrigadas à apuração pelo Lucro Real, poderão optar  por esta sistemática.

Pois bem, a Lei nº 9.249/95 [15]  determina que o percentual de lucratividade a ser aplicado nas atividades de  cessão de direitos de qualquer natureza será de 32%. Desta forma, a empresa que  comercializar créditos de carbono deverá tributar a receita oriunda desta  atividade a uma razão aproximada de 10,88%, que corresponde à incidência do IRPJ  e seu adicional [16], e da CSLL sobre o lucro presumido da pessoa  jurídica.

4.2. PIS e COFINS:

De acordo com a determinação da legislação fiscal atualmente  em vigor, a contribuição para o PIS/Pasep e a COFINS têm como fato gerador o  faturamento mensal, assim entendido o total das receitas auferidas pela  pessoa jurídica, independentemente de sua denominação ou classificação contábil.

Todavia, devemos esclarecer que a Constituição Federal,  através de seu artigo 149, § 2º., I, concedeu imunidade do PIS e da COFINS em  relação às receitas decorrentes de exportação, tendo esta imunidade sido  confirmada pelo legislador, através dos artigos 5º., I, da Lei nº 10.637/02, e 6º., I, Lei nº 10.833/03.

Convém, ainda, tenhamos presente que desobedecer a uma regra  de imunidade equivale a incidir em inconstitucionalidade [17].

Desta forma, entendemos que a receita auferida nas operações  de comercialização dos “Créditos de Carbono”, com base na premissa que assumimos  para fins deste trabalho de que tais operações se realizarão sempre entre uma  empresa nacional (cedente) e uma empresa domiciliada no exterior (cessionária),  não será gravada pela contribuição ao PIS e pela COFINS.

Apenas a título ilustrativo, uma vez que a contribuição ao  PIS e a COFINS já se encontram protegidas pela imunidade, julgamos interessante  trazer à colação o fato de que o Projeto de Lei nº 4.425/04,  atualmente em trâmite na Câmara dos Deputados, concede isenção destes tributos  para as pessoas jurídicas que invistam em projetos de Mecanismo de  Desenvolvimento Limpo que gerem RCE’s.

4.3. Imposto Sobre Operações Financeiras (IOF):

O IOF é imposto de competência da União, conforme previsto no  artigo 153, inciso V, da Constituição Federal, que incide sobre operações de  crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários.

Segundo nosso entendimento, já manifestado em momento  oportuno, ao tratarmos da natureza jurídica dos “Créditos de Carbono”, estes são  ativos intangíveis puros, não possuindo natureza financeira, de forma que sobre  eles não deverá recair o IOF.

Todavia, naquela mesma oportunidade observamos que o Projeto  de Lei nº 3.552/04 pretende classificar os “Créditos de Carbono” como  valores mobiliários, além de a prática comercial apontar também neste sentido [18].

Desta forma, caso os “Créditos de Carbono” venham a ser  definidos legalmente como derivativos, ou ainda que tomem este revestimento pela  prática comercial, passando a ser considerados valores mobiliários, passarão a  sofrer a incidência do IOF, de acordo com as disposições da legislação  pertinente ao IOF, consolidada no Decreto nº 4.494/02 (Regulamento do  IOF – RIOF).

Portanto, entendemos ser relevante abordarmos os principais  aspectos relacionados a este imposto, no que diz respeito especificamente à  operação de comercialização dos “Créditos de Carbono”.

O RIOF, em seus artigos 25 a 37, aborda a incidência do  imposto sobre as operações relativas a títulos ou valores mobiliários, apontando  os elementos componentes da hipótese de incidência, tais como fato imponível,  contribuintes, responsáveis, base de cálculo e alíquota.

Fica determinado, neste instrumento normativo, que nos casos  de cessão de títulos e valores mobiliários, o fato gerador será a própria cessão  destes títulos, tendo sido eleito como contribuinte o adquirente, em obediência  às normas tributárias que determinam que contribuinte deve ser aquele sujeito  que tem relação direta com o fato imponível e demonstra capacidade contributiva,  signo de riqueza.

Contudo, em face da dificuldade de fiscalização e  administração de todos os sujeitos que realizem transações envolvendo títulos e  valores mobiliários, o legislador elegeu como responsável tributário as  Instituições Financeiras autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil (BACEN),  ou as bolsas de valores, de mercadorias, de futuros e assemelhadas.

O IOF incidirá sobre o valor da cessão, incidindo à alíquota  máxima de 1,5% ao dia, e deverá ser cobrado e recolhido na data da liquidação  financeira da operação.

4.4. Imposto Sobre Serviços (ISS):

A princípio pode causar estranheza enfrentarmos a questão da  tributação dos créditos de carbono pelo ISS, uma vez que se trata da  comercialização de bens incorpóreos. No entanto, muito se fala, especialmente na  esfera da ciência econômica, que a cessão de bens intangíveis se equiparam à  prestação de serviços. Se tal conceito for levado a cabo, as receitas auferidas  pela comercialização dos “Créditos de Carbono” deverão ser gravadas pelo  referido imposto [19].

Desta forma, pretendemos demonstrar, nestas linhas, que  juridicamente a cessão de bens intangíveis não pode se equiparar à prestação de  serviço. Muito embora as análises econômicas comparem a prestação de serviços à  cessão de direitos, não podemos permitir que análises econômicas invadam o campo  jurídico.

O conceito jurídico de prestação de serviço é o de qualquer  esforço humano, realizado em favor de terceiro. Logo, pela teoria das  obrigações, poderíamos diferenciar a compra e venda de bens da prestação de  serviço pelo fato de que estas se configuram em obrigação de fazer, ao passo que  aquelas são verdadeiras obrigações de dar.

De pronto percebemos que na cessão dos créditos de carbono  não há esforço humano em favor de terceiro, não há obrigação de fazer algo em  favor do adquirente dos créditos. Há, sim, uma obrigação de dar um bem (ainda  que imaterial), sobre o qual um determinado sujeito de direito detém a  propriedade, a outrem.

De tal sorte que não poderíamos concluir de outra forma que  não pela afirmação de que sobre as receitas oriundas da comercialização de  “Créditos de Carbono” não há incidência do Imposto Sobre Serviços (ISS).

5. CONCLUSÃO

Com a entrada em vigor do Protocolo de Quioto, em fevereiro  deste ano, estabeleceu-se um novo mercado, envolvendo a negociação de  certificados de emissão reduzida, amplamente conhecidos pela alcunha de  “Créditos de Carbono”, oriundos da utilização do Mecanismo de Desenvolvimento  Limpo.

Tais “créditos”, que poderão ser concedidos aos países em  desenvolvimento que implementarem projetos de desenvolvimento sustentável,  buscando a manutenção de um meio-ambiente equilibrado, são passíveis de  comercialização, mostrando-se como forma complementar para os países do Anexo I  atingirem suas metas de redução, estabelecidas no Protocolo de Quioto.

Diante da necessidade de se conhecer mais a fundo a natureza  jurídica das Reduções Certificadas de Emissões, nos propusemos a este estudo, e  constatamos que se tratam de bens incorpóreos – ou bens intangíveis – de acordo  com os pilares da doutrina de direito privado, especialmente no ramo que se  propõe ao estudo das coisas.

Por fim, analisamos a incidência tributária que deverá gravar  as operações de comercialização dos Créditos de Carbono, com base na legislação  fiscal atualmente em vigor, e concluímos o quanto segue:

– IRPJ/CSLL

– o valor decorrente da comercialização  dos Certificados de Emissão Reduzida deverá ser registrada contabilmente como  receita, e desta forma afetará o lucro contábil, e conseqüentemente as bases de  cálculo do IRPJ e da CSLL da empresa que atuar neste mercado. Portanto, a menos  que o PL nº 4.425/04 venha a ser aprovado – concedendo isenção deste  dois tributos sobre as receitas decorrentes da venda de “Créditos de Carbono” – as receitas ora em análise serão gravadas pelo IRPJ e pela CSLL.

– PIS/COFINS

– as operações que envolverem a  exportação de “Créditos de Carbono” estarão protegidas da incidência do PIS e da  COFINS por força de imunidade, encontrada no artigo 149, § 2º, I, da  Constituição Federal.

– IOF

– Há a possibilidade de incidência do IOF sobre  o valor da cessão dos “Créditos de Carbono”, caso estes títulos venham a ser  reconhecidos como ativos financeiros (derivativos), e conseqüentemente como  títulos ou valores mobiliários.

– ISS

– as receitas decorrentes da comercialização de  “Créditos de Carbono” não deverão sofrer a incidência do ISS, tendo em vista  que, ao contrário do que se repete incansavelmente na doutrina econômica, a  cessão de direitos não se confunde com a prestação de serviços. Vale lembrar que  a argumentação da Ciência da Economia não pode invadir a esfera jurídica, da  Ciência do Direito.

É certo que não pretendemos, com este estudo, esgotar o  quanto se há para discutir acerca de instituto tão novo, e que ainda encontra-se  sujeito à uma série de regulamentações jurídicas, como por exemplo os citados  Projetos de Lei nos 3.552/04 e 4.425/04, mas apenas apresentar nossas  conclusões acerca da natureza jurídica das RCE’s e do seu adequado tratamento  tributário.

 

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